segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Junte a fome com a vontade de escrever


Junte a fome com a vontade de escrever.

AJFontes

 

Vou melhorar o texto. Dá pra caracterizar a figura do cara. Puxa, que fome. Depois do almoço não comi nada. Vou entremear falas dele com características físicas. Tenho frutas em casa. O trânsito não ajuda nessa hora. O cenário mostro de cara, ou não? Tenho granola também. Ligo os personagens. Fulano olha beltrano, que observa cicrano. Junto banana, abacate, granola e mel. O principal mostra a contradição de todo mundo, pensa uma coisa e faz outra. Que fome. Vai ficar interessante assim. O texto e a salada.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Paranoia


Paranoia

 

AJFontes

 

A rua cheia. Carros aguardam o sinal abrir. O trem composto de possantes quatro por quatro, elegantes mercedes. Eu, no meu corcel velho desbotado. Vidros fechados por medo. Lá vem o menino e a maldita garrafinha. Da última vez levaram o celular. Mas a cara desse não parece ruim. Quem vê cara não vê coração. Porra, o que faço? Ele vai chegar. No retrovisor, olhar desesperado, como do cachorro poodle, um quarteirão atrás, andando de um lado para o outro, com a língua para fora da boca, encarando cada passante. O suor escorre. Já tá seringando de longe. Aquilo na cintura é um revolver. Meu Deus. Não dá mais. O sinal abre, passo a primeira arranhada, aos pinotes sigo na composição. Adiante estaciono. Respiro profundo. Ele ia me assaltar, ele ia me assaltar.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Muito ou pouco


Muito ou pouco

 

Um minuto.

Cada cheiro, dor,

alegria, cada cor.

 

Um minuto.

Cada medo, som,

sabor, cada dom.

 

Um minuto.

Cada toque, sorte,

morte. Cada morte.

 

Um minuto.

Tudo que tenho.
 
Tudo que sou.
 
AJFontes

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Assim caminha a humanidade


Assim caminha a humanidade


 

Olhos embaçados, aos poucos percebe o verde pálido das paredes, o branco do armário estreito. A porta entreaberta mostra roupas penduradas. A língua grossa. Cai uma gota cristalina do saco plástico e escorre pela mangueira fina até a agulha, cuja metade entra nas costas da mão esquerda. A cabeça dói.

- Olá! Bom ver o senhor acordado. Sorridente, a moça saca o equipamento do bolso da saia. Depois do susto, ainda aperta o braço com esse negócio.

- Boca seca, barriga dolorida, a cabeça dói. Não tem nada bom.

- Calma. Vai passar. Quando quiser chamar, aperte o botão do lado. Melhor não falar ou fica cheio de gases, disse ao atravessar a porta.

Sozinho? Flavinha foi visitar a mãe, só volta depois de amanhã. Não poderia adivinhar. Que horas são? Dói. Quarto verde. Dormi? Relatório.... À tarde vou... Caminhar. Estou... A enfermeira...  Novamente?

- Olá seu Fonseca. Como está?

- Estava dormindo doutor. Tá muito dolorido.

- É normal. Seu abdômen foi cortado. O senhor chegou ao hospital com início de infecção no apêndice. A cirurgia evitará problemas. Lá vem explicações. Sei, sei. Sou forte. Bom chegar no momento certo. Parece o homem da cobra.

- Dois dias! Doutor, pensei sair amanhã.

- O senhor mora só. Não é tão jovem. Aqui está seguro. Amanhã, caminhe pelo corredor. Passo às três da tarde para ver como está. Boa noite seu Fonseca.

Cadê o tal botão?

- Boa noite seu Fonseca. Sou a enfermeira de plantão.

- Preciso ir ao banheiro.

- Vamos lá.

Nem lembro quando comecei a correr. O embarque no voo da VARIG, dia trinta de dezembro de mil, novecentos e setenta e seis. Tinha Vinte. Ou vinte e um? Estava no apogeu da forma física. Ah! Aquelas belezas passando no corredor do avião. Serviço de primeira. Pratos de louça, talheres de metal, copos de vidro.

Dia seguinte, esquentava meu corpo em frente ao edifício Cásper Líbero, na Paulista. Hehe, terra da garoa. Éramos mais de quatrocentos homens e mulheres. Largamos meia hora antes do ano novo. O trote seco no asfalto. Mantive o ritmo nos sete mil e trezentos metros. Na reta final, o corpo era levado pela força que restava no coração. Cheguei depois de vinte e seis minutos e trinta e poucos segundos. O chileno barbudo ganhou. Mas eu estive lá, na chegada. Agora preciso de ajuda, pra urinar.

- Pronto. Está confortável? Os botões ao lado controlam a altura e inclinação do colchão.

- Obrigado.

Aproveita o inesperado brinquedo e procura a posição. Um longo suspiro trás o sono.

Dói. Nem tossir posso.

- Com licença. Bom dia.

Do carrinho estacionado na porta, a moça retira um prato e um copo. Arma a mesa de apoio na cama.

– Sua dieta. Bom dia.

Na hora. A fome apertou. Apreciando o insípido desjejum, observa o papel sobre a mesa no canto. O atestado. Preciso entregar isso hoje. Assim diz a CLT, mas como? Depois de 29 anos de casa sem faltas, a um ano da aposentadoria, não vou falhar agora. Será que posso?

Usando os botões, baixa a cama. Senta-se devagar. Essas rodinhas no suporte ajudam. Calça os chinelos, caminha até o banheiro. Encontrei um jeito. Assim dói pouco. Lava as mãos. Puxa vida, minha cara tá feia.

Segura o atestado, abre uma fresta na porta. Ninguém. Sai lento. O suporte acompanha. O trabalho toma a atenção das enfermeiras. Na porta adiante lê: ENTRADA PERMITIDA SOMENTE AOS FUNCIONÁRIOS. Já dentro, desvia de copeiras, faxineiras, descobre corredores, até encontrar a luz do dia. Esse vento frio na bunda. Vou assim mesmo.

Entra no primeiro táxi parado. O suporte primeiro.

Meu Deus. Um doido?

- Vamos ao centro, rápido. Digo o endereço no caminho. Vamos!

O motorista dá partida e segue.

A irritação se dissipa no semáforo fechado, ao assistir o beijo do casal parado na rua, interrompido pelo som histérico das buzinas. O caos urbano não permite outra visão agradável até o destino.

- Espere. Não demoro.

Desliga o motor.

- Bom dia seu João.

O porteiro arregala os olhos.

Aristides não vai sentir o gostinho de punir esse macaco velho. Vi aquele fedelho crescer aqui. Agora, assumiu a direção e quer ver minha caveira. Não vai não.

No trajeto é cumprimentado por colegas. Responde com acenos de cabeça.  O modelo chama a atenção. Gostam do bundão branco? Aquela enfermeira avisou sobre os gases.

A secretária monta um rosto de boas-vindas.

- Bom dia seu Fonseca. Já está de volta?

- Por favor, Aristides.

- Senhor Aristides. A senhor Fonseca quer falar. Sim, senhor. Pode entrar.

Da cadeira, por trás da mesa de trabalho, Aristides esboça um sorriso, mas logo desmancha diante da figura que se aproxima. Fonseca levanta a folha de papel e deposita lentamente sobre a mesa, sem desviar os olhos do patrão. Segura o suporte, dá meia volta e caminha, quando os gases acumulados rompem os ares formais do ambiente.
AJFontes

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Nossa Língua Portuguesa


Nossa Língua Portuguesa


 

Seis da manhã, tenho um tempinho para um último cochilo... “BOM DIA BRASIL” O som da TV enche a casa anunciando um novo dia televisivo.

No alto dos seus 2 anos de idade, o pequeno da família faz sua sonâmbula caminhada matinal do quarto de dormir até a sala e providencia para que as notícias do dia cheguem até nós da casa e da vizinhança. Num movimento contínuo dá meia volta, senta na cama e aguarda aquele que cotidianamente o apronta para sua jornada escolar.

Sem o último cochilo, inicio meu dia tonto com a torrente sonora vinda da sala. Vou ao quarto do pequeno e inicio o processo: Troco a camisa, as calças e sentado na cama apoiando as mãos no colchão enquanto calço as botinas ortopédicas e seus imensos cadarços, ele balança a cabeça sonolenta de olhos fechados.

Num dado momento resolvo ir até a TV e reduzir o som a um nível suportável. Volto e continuo.

Ele, parecendo ter real interesse pelas notícias do Brasil e do mundo, reclama: Oh pai! Assim eu não ovo nada.

Como orientador, corrijo: Não ouço nada. Ovo é de galinha.

Ele para o movimento da cabeça por uns segundos e replica: Osso é de cachorro, eu não ovo nada!

Sem argumento, solto uma gargalhada acompanhada por um olhar de espanto vindo da cama.

Já pronto, levo até a copa onde ele toma um copo leite e eu como um ovo de galinha.
AJFontes

sábado, 27 de agosto de 2016

Meu ídolo




Meu ídolo

 

A águia, pouco tempo sente a terra ou a água. Tão logo se equipa, já ensaia mergulhos no invisível onde aprende a viver. Seu bailado, no que parece nada, encanta. Mergulha com coragem e acerta o que quer. Mas não anda, pula. Na água, algumas se arriscam a um curto mergulho e sempre retornam ao seu reino. Ressoa um canto firme, único. Passa quase toda a vida só com suas penas, tocando o que não vê.

Pernas e garras possantes, seguram o tigre ao seu canto. Com movimentos delicados e precisos dos músculos, caminha. Não deixa que percebam sua presença até que decida se apresentar. Do ar, só os aromas que trazem alimento e paz nas sombras das árvores. Da água é penoso o toque, nem que seja para beber. Esparramado no leito da mãe que o acolhe leva seu tempo.

Tudo ouve e sente. No reino das águas o peixe desliza ágil ou lento. Forte, na solidão ou em grupos, encontra seu sustento. À terra agradece por conter o abrigo. É especial a forma de obter o oxigênio necessário. Imponente ou simples, espera o tempo passar. E passa.

Já o pato. Chega com um brilho dourado. Está sempre em bando. Distribui alegria na terra, quietude na água e ordem no ar. Seu estar bem é onde está. Seja com a águia, o tigre ou o peixe, vai pela vida afora: Sou eu, sou eu. Ando, voou e nado. Até canto. Mal...mas canto.
 

 
AJFontes

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Fluxo



Fluxo

 

Algo a fazer?

Faça agora.

Siga as instruções contidas na mente

Projetadas pelo coração.

 
                                                                                                                                                                AJFontes

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Prisma


Prisma

 

És nada.

Não és a corrente rubra

Pegada à terra.

Tão pouco a brisa celeste

Solta no espaço.

Menos, o sol dourado

Claro no caminho.

Ledo engano.

És tudo.
AJFontes

sexta-feira, 8 de julho de 2016

A passagem


A passagem

 

 Longe, um som ritmado ecoa. Passos lentos, olhar no vazio, sorri. Que dia. Os bancos compridos, encostados à parede, passam. Um vulto, distante ainda, chama a atenção. Acelera ao descobrir cada detalhe, até que surge completo à sua frente.

Acaricia as curvas. Com os olhos sorve o brilho do corpo. Posiciona-se no banco, leva-o ao pescoço. As cordas, com o carinho do arco e o toque dos dedos vibram. Emanam ondas de luz. Verdes, brancas e amarelas dançam no alto em companhia das azuis e vermelhas, no baixo. Crescem círculos dentro de outro e de outro mais, multicoloridos, transpassam tudo à frente. Atiram-se em cascata na profundeza das notas. Apagam.

Na cortina negra piscam pontos. Poucos. Outros se mostram, espalham-se, aceleram, linhas se formam, enlaçam umas às outras, mudam os tons, mais pontos, linhas, cores, luz. A brancura toma conta. Se suporta no dedo que treme tocando a última corda, juntinho do arco que a alisa. E esmaece... Esmaece... Esmaece...

Pousa o instrumento no banco. Agradeço amigo, pelo presente. Preciso ir. Ouço aquele som ritmado. Entra no vagão que inicia a marcha.

- Amigo! Sinto-me tão leve... Flutuo!

                                       
                                                                                                                                                   AJFontes

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Que lembre...


Que lembre...

 

Vai começar. Cadê?

Abri os olhos devagar, até acostumar com a claridade que atravessava os vidros da janela, depois de driblar a chuva fina. Enxerguei cada coisa: A escola, professora chata, dever de casa; mas, também a feira, o ceguinho das pernas compridas sentado num banquinho pedindo esmolas, os bois e cavalos de barro, o mercado de farinha. Aproveitei o tempo que restava curtindo o calorzinho. A água fria despertou meu corpo. Esquentou depois que vesti a roupa. Vou botar folhas de jornal dobradas dentro dos sapatos, se não, molho os pés.

Na bolsa, dentro do caderno, dos livros. Não encontrei.

Hum! Que cheiro bom. Segui o rastro identificando cuscuz e café, da mercearia; queijo coalho e ovos, da feira. Nesta época as comidas de milho reinavam: pamonha, canjica ou cozido. Todos os dias, na garupa de uma bicicleta, chegava o pão. No lombo do burro era o leite. Lá estava a família na mesa. Cada qual trazendo para um prato alguma delícia.

No chão desde a entrada, passando pelo corredor, salas e nada.

Era divertido ver a água saltar das poças quando pisava; o trem chegando na estação com um longo apito. Na esquina, o cheiro forte de cachaça misturado com o de charque. Alguns homens bebiam no balcão da venda. Trabalhavam perto. Uns, alugando as carroças estacionadas sob uma árvore frondosa no largo em frente, onde os cavalos tinham sossego entre os fretes; outros, consertavam lonas que cobriam cargas de caminhões. Uma estendida, tomava quase toda a calçada. Observava o trabalho de lixar, espalhar a cola, posicionar o remendo e bater com um martelo de borracha. Por vezes tinha que correr para não atrasar.

Deixei em casa? Caiu na rua?

A algazarra da criançada, a procura de seus lugares nos bancos compridos, ultrapassava as divisórias de madeira a meia altura das salas e explodia no alto do grande salão.

Passei a mão sobre os bolsos da calça; da camisa.

- O lápis!
AJFontes

terça-feira, 10 de maio de 2016

Pronto, tô abençoado


Pronto, tô abençoado
(versão 2 de As peripécias de Pedro)

Dia claro ainda as sombras se espalham sobre as casas. Nas calçadas, como de hábito, acomodadas em cadeiras, tamboretes e até espreguiçadeiras, avós, mães, tias e primas; têm a conversa interrompida por gritos, choros e risos da meninada que brinca na rua.

Anita pulou no céu riscado no chão. Viu longe a figura esguia, de andar tranquilo, paletó branco marcado pelos movimentos do dia, vindo ao seu encontro. Pedro!

Os olhares se voltaram para a entrada da rua.

- Bala, bala, bala, queremos bala! Cadê as balas tio Pedro?

- Calma, calma, tem pra todo mundo. Retirou dos bolsos as mãos cheias de bolinhas enroladas em papel colorido e as jogou paro o alto. Aos gritos, os meninos cataram os confeitos pelo chão, uns empurrando os outro, até que não sobrou um. E voltaram aos seus cavalinhos e bonecas.

Boa tarde senhoras, senhoritas. Benção minha mãe? Deus te abençoe, respondeu dona Isaura. Ele entrou com gingado de dançarino e trejeitos de cantor. Gosto que me enrosco só de ouvir dizer, que a parte mais fraca é a mulher, mas o homem com toda fortaleza, desce da nobreza e faz o que ela quer. Música famosa nos fins dos anos 20.

Cada dia mais bonito esse menino. Pois é dona Amélia, até um dia desses era um magricela, amarelo, buchudo. Agora não, tomou corpo, barba aparada, bigode, cabelo penteado. Nem parece. As mocinhas tentaram esconder os suspiros. Dona Isaura, com um sorriso de satisfação, varreu com o olhar a criançada até Sofia e Anita, a caçulinha.

Bem na hora! Ao perceber a aproximação de uma figura magra e alta com um balaio na cabeça. Como sempre, o homem parou junto a um grupo, desceu o balaio, ofereceu seu produto, e seguiu com seu pregão:

- Olha a bolinha de cambará, um pacote é um tostão.

- Larga essa vida vai trabalhar, deixa de ser um homem ladrão. Completou Pedro, da janela.

-Meu filho não diga isso. O homem está trabalhando.

Deu meia volta e atravessou a sala com uma gargalhada. O homem sorriu e continuou.

As sombras se foram com o sol. O frio da noite chegou. Está na hora, vamos Carlinhos, Ana Clara, Teotônio, Antônio, Clarisse. Cada mãe recitou os nomes de sua prole. Espere aí minha mãe, já vou. Vamos logo ou não deixo vocês brincarem amanhã! Com as caras amarradas entraram sem argumento. Seguiam o boa noite, o bater das portas, janelas e ferrolhos. O silêncio da noite tinha seu tempo.

A sinfonia de cães, gatos, grilos e sapos servia de música de fundo para a passagem cambaleante de seu Moreira, morador solitário lá do fim da rua. Vive assim desde que a mulher deixou ele coitado. Diziam nas conversas. De dentro das casas vinham o tinido dos talheres; vozes, risos, choros; cheiro de café e pão assado.

As meninas acompanhavam dona Isaura: Santo anjo do senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou...Deitado, Pedro gritava: Sua benção minha mãe...sua benção minha mãe!

Deus me abençoe e me dê juízo. Pronto, tô abençoado.

O farfalhar das vassouras nas calçadas encontrou o friozinho matinal.

Acorda Maneco. Você vai perder a escola menino. Muito bem dona Marieta, esses meninos só entendem no grito mesmo. Aqui Aninha já tá pronta e tomando café.

Bom dia dona Isaura. Daqui a pouco, vou eu ao mercado. Nem reparei a senhora na janela dona Bentinha. Bom dia. Pois vá logo porque tem muita gente, pode não sobrar coisa boa. Como passou a noite? Ah! Dormi pouco. Clarinha teve uma diarreia danada. A senhora sabe o que Pedro deu pras crianças ontem? Balas de açúcar! Adiante a mesma pergunta por outra vizinha; mais outra. E outra mais.

Chegou em casa apavorada. Pedro não deu confeito para as irmãs. Chamou o rapaz e perguntou. E como estavam as caras delas? No meio de uma gargalhada, quase engasgado por um naco de pão. Não ria meu filho. Como pôde fazer isso? Elas estão doentes. Nada não minha mãe. É só laxante. Vai fazer até bem. Arrumou a gravata e saiu. Deus, dá-me paciência. Ele nunca pensa nas consequências. Assim levou a vida, até o dia que resolveu viajar pra conhecer o mundo.

Mala pronta na porta, abraçado à mãe pediu sua benção. Sem você aqui essa casa vai ficar tão vazia. Deus te guie meu filho. Sofia agarrada em sua perna tentou impedir. Ele a segurou em seus braços. Vai não. Entendia a separação de alguém querido desde a morte do pai. Com um joelho no chão abraçou e beijou o rosto tristonho de Anita.

Correram para a janela. Sobre os banquinhos, acompanharam o irmão sumir na entrada da rua.

 

 

AJFontes

 

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Inferno Astral (2ª versão - Reflexões)


Inferno Astral

 

Rosto suado. Os óculos deslizam no nariz, num tal de escorrega-empurra. Já é hora de apertar aqueles parafusos, bem pequenos, que seguram as hastes. Pego a ferramenta adequada, tiro os óculos, posiciono...E agora; cadê o parafuso? Da última vez enxerguei.

Mais uma do cabedal de recordações neste momento pré virada de ano e quase da década.

Vêm sem ser chamadas. Chegam e se instalam. Às vezes tão antigas que fico surpreso por ainda existirem. As belas, são fáceis de sentir; confortáveis, alegres. Relaxantes. As feias não. São difíceis de acolher. Por vezes cortam o peito, mas orientam meus passos. Decido se as encaro ou deixo para uma próxima, porque é certo que retornarão mais fortes e difíceis de ser exploradas. Talvez seja o motivo deste período ser chamado inferno astral.

Como a Casa arrumada de Drummond, é preciso arrumar o interior para bem viver. Não que tudo esteja limpo, claro, no seu devido lugar. Viver implica em usar, como diz ele. Mexer e remexer todos os cantos. Podem ficar desarrumados por tempos; às vezes a eternidade, e aí como dizia minha mãe: se não tem remédio, remediado está. Deixa para próxima.

É preciso receber visitas que deixam marcas: risos frouxos, choro convulsivo no meio de uma conversa, que tocam coisas penduradas nas paredes da emoção. É trabalhoso, cansativo; mas prazeroso. Os próximos passos serão firmes e belos.

Novos ou velhos, questionamentos sempre existirão, e com eles soluções cada vez mais simples e eficazes.

Ah! Os óculos. Levei a uma ótica.

Amigos

Amigos.

No início tinha, sem maiores pretenções, a intenção de tornar público o que escrevo.
Passado algum tempo, iniciei minha participação em uma oficina literária orientada pelo escritor Paulo Coelho, o que acendeu novas luzes sobre a forma da escrita.
É verdade que a arte de escrever, como toda arte, é composta de um por cento de inspiração e noventa e nove por cento de transpiração. Estou aprendendo como transpirar.
Para isto tenho usado escritos já publicados aqui. Sinto que devo difundir. Então, em alguns momentos verão o mesmo texto modificado na sua estrutura, mantendo a essência. Anotarei a versão para orientação.
Minha intenção é oferecer as melhoras adquiridas ao longo do processo.
Talvez frequência diminua. Veremos.
Lembro que as críticas são bemvindas
Grato a todos pela companhia na caminhada.
Abraço.
AJ

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

O Anjo

O Anjo


O quarto na penumbra mostrava as paredes de amarelo pálido. A janela deixava passar réstias da luz do terraço lá fora através das venezianas, sombreando os móveis infantis de madeira clara, recostados às paredes. Numa delas o berço parecia mais iluminado com a presença daquele pequeno corpo, esguio, muito alvo encimado por cabelos lisos, amarelos quase brancos, emoldurando seu rosto angelical. O sono tranquilo denunciado por um leve ressonar e olhos cerrados.

Ao chamado do irmão, ao meu lado, seu corpo tremeu levemente. Esfregando as mãos nos olhos, acostumou-se com a iluminação e buscou distinguir as formas em volta. Olhou-me, levantou sobre o colchão, eu o acolhi. Enlaçou meu pescoço com os braços e minha cintura com as pernas. Sua cabeça recostada em meu ombro. Senti um longo suspiro e seu retorno ao planeta dos sonhos.


Foi o primeiro encontro.
AJFontes

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Pó de Pirilimpimpim


Pó de Pirilimpimpim

 
Curioso, olha para minha mão enquanto faço círculos no ar, sobre a região machucada, pressionando a ponta do polegar contra o indicador e vou recitando: Pó de pirilimpimpim tire essa dor daqui e leve para ali, fazendo o gesto de jogar o pó para o mais alto que posso.

Mais uma vez esquece a dor no joelho ou em outra parte do corpo de menino de 2 anos; mais uma vez o choro cessa e mais uma vez ele não consegue descobrir o pó mágico que eu retiro do cós de minhas calças nesses momentos. Quase fico sem calças quando ele procura a origem do milagre.

Onde está? - Pergunta olhando com desconfiança para mim. Quero um pouco para mim. Quero ver

Esse pó, um mágico deixou comigo Respondo. Só os pais têm e podem ver. Quando você for pai vai conhecer.

Seu olhar denuncia não acreditar no que ouve, mas deixa pra lá.

Volta a gritaria, a correria.

Novas quedas, novos choros. Então: pó de pirilimpimpim...
 
AJFontes

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Estou Aqui, Agora


Estou Aqui, Agora


Cinquenta e nove anos.

Meses, dias,

Horas, minutos,

Segundos.

Quantos?

Sei lá.

Sei que cada um deles é precioso pra mim

Vivi cada um deles

Tenho em mim a marca de cada um deles.

Sei que de cada um deles recebi tudo que precisei

Exatamente o que precisei

Nem mais, nem menos.

Sei que em cada um deles tem um pedacinho de mim

Em cada cantinho desse Universo

E de outros.

Sei o que fui e o que não fui.

Sei o que senti e o que não senti.

Sei o que fiz e o que não fiz.

Sei

Que nada sei.

Feliz Ano Novo pra mim.

Viva!

Viverei Feliz os próximos

Cinquenta e nove anos.
AJFontes
 

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Contagem


Con...ta...gem


 

Do primeiro copo

Você conta os goles

 

Da segunda lata

         Você conta os copos

 

Do terceiro pacote

    Você...não conta.



Evite a amnésia

Conte com a moderação
 
AJFontes
 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Convite


Convite


 


Teus olhos brilharam

Iluminando o rosto moreno.

Explodindo sentimentos

Verdadeiros naquele momento.

 

Teus olhos apagaram

Escurecendo o rosto moreno.

Implodindo sentimentos

Escusos noutro momento.

 

Teus passos incertos de ir ou vir

Tuas falas certeiras sem alvo fixo

Tuas dúvidas do real

Teus anseios pelo imaginário.

 

Teus seis sentidos te trazem a mim.

 

Eu sou tudo, enquanto nada.

Nada mais belo e vibrante

Que uma paisagem distante

Sem detalhes, pormenores

É delirante.

 

Posso ser nada, enquanto tudo.

Tudo que trago:

Folhas amarronzadas, chão descascado

De sóis e chuvas passados.

 

Sai desse topo

Desce até meu chão

Minha copa, meu caule, minhas raízes.

Conhece-me.

 

Depois volta

Leva só lembranças

De teu agrado

Ou fica

E semeia este chão

Com teu abraço.
AJFontes