Inferno Astral
Rosto suado. Os óculos deslizam no
nariz, num tal de escorrega-empurra. Já é hora de apertar aqueles parafusos,
bem pequenos, que seguram as hastes. Pego a ferramenta adequada, tiro os
óculos, posiciono...E agora; cadê o parafuso? Da última vez enxerguei.
Mais uma do cabedal de recordações neste
momento pré virada de ano e quase da década.
Vêm sem ser chamadas. Chegam e se
instalam. Às vezes tão antigas que fico surpreso por ainda existirem. As belas,
são fáceis de sentir; confortáveis, alegres. Relaxantes. As feias não. São
difíceis de acolher. Por vezes cortam o peito, mas orientam meus passos. Decido
se as encaro ou deixo para uma próxima, porque é certo que retornarão mais
fortes e difíceis de ser exploradas. Talvez seja o motivo deste período ser
chamado inferno astral.
Como a Casa arrumada de Drummond, é preciso arrumar o interior para bem
viver. Não que tudo esteja limpo, claro, no seu devido lugar. Viver implica em
usar, como diz ele. Mexer e remexer todos os cantos. Podem ficar desarrumados
por tempos; às vezes a eternidade, e aí como dizia minha mãe: se não tem
remédio, remediado está. Deixa para próxima.
É preciso receber visitas que deixam marcas:
risos frouxos, choro convulsivo no meio de uma conversa, que tocam coisas
penduradas nas paredes da emoção. É trabalhoso, cansativo; mas prazeroso. Os
próximos passos serão firmes e belos.
Novos ou velhos, questionamentos
sempre existirão, e com eles soluções cada vez mais simples e eficazes.
Ah! Os óculos. Levei a uma ótica.