sexta-feira, 2 de junho de 2017

Vaga no mundo




Vaga no mundo

AJFontes

 

A estrada perturbada por buzinas e motores de carros raivosos pela interrupção do descanso. Veem somente as listras amarelas no asfalto. Alheios a luz vinda do céu que brilha nas gotas, antes de cair das folhas verdes nas matas dos morros ao lado. Ninguém vê essa beleza? Após aceleradas, freios e manobras chega ao estacionamento.
 
Passos surdos povoam o caminho até o elevador. São ternos escuros, saias longas, pastas, bolsas e celulares. Por linhas cruzadas, curvas ou retas, chegam ao cubículo que Despeja partes em camadas subsequentes, acima, mais acima. Em cada uma delas, novos arranjos ou desarranjos no fluxo e os grupos chegam aos corredores que separam pequenas caixas abertas de laterais baixas onde pousa um computador, papeis e outras coisas. Ocupam dois metros repetidos dezenas de vezes. Luzes anêmicas, ares sintéticos, cores plásticas.

Pousa os pertences no canto e senta. Num giro da cadeira suspira ao encontrar um galho verde da copa de uma árvore ao sabor do vento lá fora. Inicia os contatos cibernéticos. Estica o pescoço. A cima de um metro e quarenta centímetros o mundo é vazio. Tabelas na tela, analises rabiscadas no papel ao lado. O compasso militar de um caminhar atravessa o corredor e levanta uma onda de toques nos teclados e vozes, quebrada na parede ao fundo. Sobra o encaixe da lingueta da maçaneta no portal.
Quilos de números, nomes. Alguns deleites se apresentam em convites para festinhas. Hoje não dá.
Soma-se aos sons, a abertura dos plásticos que embrulham comidas não menos artificiais. Seria o momento do almoço, mas é apenas uma pequena parada para atender à necessidade física que insiste: Tô com fome.
Filho, descanse um pouco, faça a digestão. Diria minha mãe. Não há tempo. No mar revolto os escafandristas lutam por espaços entres erros e acertos. De snokel, máscara e nadadeiras, ele se mantém flutuando. Por vezes, observa e caminha por entre as árvores verdes, de cheio forte que deixou à margem de seu caminho.
Um minuto antes da exaustão, desagua o riacho de mágoas, belezas efêmeras, felicidades estéreis. Se espraia no estacionamento.
Ele senta no carro. Um longo suspiro espanta os números mais resistentes. Segue de encontro ao sol de amanhã, onde pulso entre pássaros, abraçado pelo verde.