quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O Atestado


O ATESTADO

 
Recém-saído da sala de cirurgia, um homem lembra que terá que entregar um atestado médico ao seu chefe imediato, na empresa que trabalha, confirmando a necessidade de ausentar-se por quinze dias do trabalho.
Já que é assim. Imediatamente levanta da cama, faz uma careta que piora o aspecto tétrico de seu rosto com olheiras e barba por fazer. Ainda sentindo o efeito do anestésico sente-se tonto, pernas fracas, afinal, a idade já pesa. Mesmo assim segura o papel, calça o chinelo e segue pelo corredor até o ponto de táxi na frente do hospital.

O motorista estranha a situação. Nenhum enfermeiro ou médico viu que um paciente havia deixado o hospital naquela condição?! Mesmo assim, seguindo orientação do depauperado passageiro chegam ao destino. Chegando ao destino, a custo retira do carro o suporte com o saco transparente de soro e segue arrastando sobre suas rodinhas. Entra no prédio onde alguns o reconhecem e cumprimentam, certamente constrangidos, mas se trata de um colega com quem, durante longos anos de convivência, encontram-se nos corredores da empresa. Homem respeitado por seu profissionalismo, seriedade e retidão de vida. “Quem diria!!!” Um ou outro pensa balançando a cabeça reprovando; alguém, com um traço de sorriso nos lábios, comenta em voz baixa: endoidou!! Alheio aos possíveis comentários, sentindo-se mal, estômago embrulhado e cheio de gases, arrastando os chinelos, caminha até o elevador. Entra, outros ocupantes o cumprimentam, ao que responde com o som característico da saída dos gases. Chega ao andar onde se localiza a sala do caríssimo diretor, motivo dessa desatinada atitude. Com seu baita bundão branco salpicado de pontinhos vermelhos, mostrado através da abertura do roupão hospitalar, desfila corredor a dentro. Chega, finalmente, à secretaria. Solicita, então falar com “o diretor”. Mais um som é ouvido, enquanto ela desliga o fone, desmancha o sorriso dando vez a uma cara de espanto e nojo. É recebido pelo diretor, bem vestido em seu terno moderno e rosto bem barbeado emoldurando um sorriso pré-fabricado. Pergunta por sua saúde e questiona se ele já estaria em condições de sair do hospital. Sem ruído que fosse, coloca o documento sobre a mesa de trabalho do chefe, olhando profundamente em seus olhos, sem esboçar sentimento. Dá meia volta segurando o suporte com toda dignidade possível segue para a porta, segura a maçaneta, levanta levemente a perna direita e libera o mais forte, fedorento e longo da série. Com um sorriso nos lábios abre a porta e segue, deixando seu rastro de indignação com a sociedade mentirosa, corrupta e tendenciosa em que vivemos.

                                                                                                                                                                    AJFontes

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