O ATESTADO
Recém-saído da
sala de cirurgia, um homem lembra que terá que entregar um atestado médico ao
seu chefe imediato, na empresa que trabalha, confirmando a necessidade de
ausentar-se por quinze dias do trabalho.
Já que é assim.
Imediatamente levanta da cama, faz uma careta que piora o aspecto tétrico de
seu rosto com olheiras e barba por fazer. Ainda sentindo o efeito do anestésico
sente-se tonto, pernas fracas, afinal, a idade já pesa. Mesmo assim segura o
papel, calça o chinelo e segue pelo corredor até o ponto de táxi na frente do
hospital.
O motorista
estranha a situação. Nenhum enfermeiro ou médico viu que um paciente havia
deixado o hospital naquela condição?! Mesmo assim, seguindo orientação do depauperado
passageiro chegam ao destino. Chegando ao destino, a custo retira do carro o
suporte com o saco transparente de soro e segue arrastando sobre suas rodinhas.
Entra no prédio onde alguns o reconhecem e cumprimentam, certamente
constrangidos, mas se trata de um colega com quem, durante longos anos de
convivência, encontram-se nos corredores da empresa. Homem respeitado por seu
profissionalismo, seriedade e retidão de vida. “Quem diria!!!” Um ou outro
pensa balançando a cabeça reprovando; alguém, com um traço de sorriso nos
lábios, comenta em voz baixa: endoidou!! Alheio aos possíveis comentários,
sentindo-se mal, estômago embrulhado e cheio de gases, arrastando os chinelos,
caminha até o elevador. Entra, outros ocupantes o cumprimentam, ao que responde
com o som característico da saída dos gases. Chega ao andar onde se localiza a
sala do caríssimo diretor, motivo dessa desatinada atitude. Com seu baita
bundão branco salpicado de pontinhos vermelhos, mostrado através da abertura do
roupão hospitalar, desfila corredor a dentro. Chega, finalmente, à secretaria.
Solicita, então falar com “o diretor”. Mais um som é ouvido, enquanto ela
desliga o fone, desmancha o sorriso dando vez a uma cara de espanto e nojo. É
recebido pelo diretor, bem vestido em seu terno moderno e rosto bem barbeado
emoldurando um sorriso pré-fabricado. Pergunta por sua saúde e questiona se ele
já estaria em condições de sair do hospital. Sem ruído que fosse, coloca o
documento sobre a mesa de trabalho do chefe, olhando profundamente em seus
olhos, sem esboçar sentimento. Dá meia volta segurando o suporte com toda
dignidade possível segue para a porta, segura a maçaneta, levanta levemente a
perna direita e libera o mais forte, fedorento e longo da série. Com um sorriso
nos lábios abre a porta e segue, deixando seu rastro de indignação com a
sociedade mentirosa, corrupta e tendenciosa em que vivemos.
AJFontes
Nenhum comentário:
Postar um comentário