Deixa
estar
AJ
Fontes
Nos
fios soltos das fitas coloridas presas ao punho flutuam lugares, sorrisos e
lágrimas. Rostos cansados assistem ao desfile sobre a esteira abaixo de um
painel que indica o local de onde vieram. Grandes, pequenas, novas e velhas. Lá
vem. Duas ou três décadas de convivência? Vai saber!
Alto-falantes
anunciam, após um sinal: locais, horários, advertências. Às costas, gritos e
aplausos quando as portas se abrem e aparece a faixa: BEM-VINDO. Outros cruzam
os braços, espicham o pescoço em busca de alguém do lado de cá.
-
Vem de onde?
A
conversa prossegue sob o sol escondido nas nuvens, que deixa o ar abafado e
suados os jovens em suas fardas e os homens de ternos que aguardam o semáforo ordenar
a travessia.
Depois
do pagamento, as fitas tremem no trepidante caminho das rodinhas entre as
pedras do piso até o hall do elevador.
As
sujas vão direto para máquina de lavar. O espelho reflete o rosto cansado, mas
satisfeito. Novos lugares para lembrar, amigos com quem compartilhar momentos
futuros.
Banhado,
alimentado, a cabeça recostada no sofá. As copas das árvores balançam
emolduradas pela janela.
Faz
tempo que estou só. Gosto, mas... Talvez seja um momento de encontrar uma
bruxinha que me seduza; me encante. Sempre bate a insegurança. Sou capaz? Dou
conta? A falta de maturidade acompanhou minhas justificativas até algum tempo
atrás. Convenha cara! Não seria essa agora, depois de cinco décadas de
vivência.
A
testa sua, levanta, assovia let it be, acompanha com a cabeça balançando
enquanto chega na cozinha e enche o copo com água.
Quero
compartilhar bons momentos com uma mulher, mas existe aquela coisa de manter
indefidamente. Pra que se perder na possibilidade do futuro se encontramos aqui
a realidade do presente?
A
garganta sente o frescor que lhe extasia e seguem os afazeres da casa sem
atenção desde o mês passado. Transponho papéis acumulados há meses da lixeira
do escritório para o mesmo saco onde tudo que me serviu por algum tempo irá,
inclusive a caixinha colorida guardiã de um certo azulzinho. Dou conta? Dou
conta? Dou conta? Let it be, let it be.
Os
ventos levaram as nuvens e o sol não está mais ali. Escondido, deixa uma mancha
rubro-violeta na linha do chão distante. Os cantos limpos do apartamento
mostram o vazio do peito. Puxa vida, isso é letra de bolero ruim! No impulso,
arrasto a careta e o resto do corpo, depois de alinhado no jeans, ao bar.
Todos
à mesa. Cabeças brancas ou desprovidas de pelos balançam ao gargalhar, os
amigos abarcam carinhosamente os copos com a mão. O mesmo garçom substitui a
garrafa ao cair a última gota de cerveja em qualquer deles.
Palmas
ao desaparecido que fui até então. Perguntas e respostas sobre filhos, netos; a
última piada do Joca.
Uma
figura longa, vestido branco estampado com flores coloridas, cabelos loiros
dança embaçada nas lágrimas de riso. Apanho um guardanapo na mesa e seco os
olhos. Ela senta na mesa à frente. Sorri com as amigas e os olhos claros
encontram os meus.
Um
gole alivia a secura da garganta; as piadas são apenas sons.
Levanto,
sigo o caminho que enxergo.