domingo, 20 de agosto de 2017

Quase nĂŁo se vĂŞ


Quase nĂŁo se vĂŞ

AJFontes

Com os olhos fixos nas mensagens do zap abre a porta. Por detrás do celular vê azul e um branco algodoado. A pasta cai na soleira. Vira para um lado enquanto a pé esquerdo quer seguir o celular que dá piruetas entre as nuvens. O vento forte suga, segura o portal com as mãos, volta o rosto, abre a boca, o grito não sai. Joana enfia papeis na pasta sobre a mesa.

Um minuto antes estava lá.

- Aquele filme está em cartaz no ECT. Que acha de assistir hoje?

- Hum? Ela não tira os olhos do relatório no tablet ao lado do prato servido com frutas. - Ah! Tá. Mais tarde a gente combina.

Ele toma um gole café enquanto lê no celular a previsão do clima para hoje. Passeia entre sites, levanta a cabeça e percebe alguns fios brancos na mulher. Onde estão os cachos? Ela sorria mais. Brincávamos mais.

- Renato, o carro que queremos está com preço legal na Caxangá. Sábado iremos ver.

- Tá. Respondeu sem tirar os olhos dela.

Quase quebrei o pescoço quando cai no buraco da calçada. Ela ria com algumas amigas na esquina do São Luiz. Eu caminhava. Ouvia a última versão do poema de Joca, quando vi o sorriso mais bonito do mundo. Aí, enfiei o pé no buraco da calçada, até o joelho. Ela correu. Puxou-me para cima, perguntou se estava bem. Eu balançava a cabeça. A dor, vergonha e admiração cortaram minha língua.

Com o cotovelo apoiado na mesa, ele passou a mão na testa. Encontrou a quase esquecida cicatriz, resultado de uma queda de bicicleta na ladeira. Desbravar as ruas do bairro no presente de natal era o que mais desejava. Mas, havia uma garota na calçada e ela tinha o sorriso mais bonito do mundo.

No princípio, acariciava o corte como se fosse o rosto da musa. O lápis deslizava e os versos nasciam no meio de jardins, mares e céus. Agora, é cacoete. Da poesia para o jornalismo foi um pulo.

Um pulo!

Agarrado à figura de Joana, um pé buscando apoio na parede, o outro desliza na soleira, volta o rosto para a saída. No vazio, linhas formam pedras e um caminho transparente se mostra. O vento abranda e a brisa alisa o rosto. As mãos aliviam. Os pés se juntam. O coração bate compassado. Um fio de sorriso.

Um passo.