Quase
nĂŁo se vĂŞ
AJFontes
Com os olhos
fixos nas mensagens do zap abre a porta. Por detrás do celular vê azul e um
branco algodoado. A pasta cai na soleira. Vira para um lado enquanto a pé
esquerdo quer seguir o celular que dá piruetas entre as nuvens. O vento forte
suga, segura o portal com as mĂŁos, volta o rosto, abre a boca, o grito nĂŁo sai. Joana enfia papeis na pasta sobre a mesa.
Um minuto antes
estava lá.
- Aquele filme
está em cartaz no ECT. Que acha de assistir hoje?
- Hum? Ela nĂŁo
tira os olhos do relatĂłrio no tablet ao lado do prato servido com frutas. - Ah!
Tá. Mais tarde a gente combina.
Ele toma um
gole café enquanto lê no celular a previsão do clima para hoje. Passeia entre
sites, levanta a cabeça e percebe alguns fios brancos na mulher. Onde estão os
cachos? Ela sorria mais. Brincávamos mais.
- Renato, o
carro que queremos está com preço legal na Caxangá. Sábado iremos ver.
- Tá. Respondeu
sem tirar os olhos dela.
Quase quebrei o
pescoço quando cai no buraco da calçada. Ela ria com algumas amigas na esquina
do SĂŁo Luiz. Eu caminhava. Ouvia a Ăşltima versĂŁo do poema de Joca, quando vi o
sorriso mais bonito do mundo. AĂ, enfiei o pĂ© no buraco da calçada, atĂ© o
joelho. Ela correu. Puxou-me para cima, perguntou se estava bem. Eu balançava a
cabeça. A dor, vergonha e admiração cortaram minha lĂngua.
Com o cotovelo
apoiado na mesa, ele passou a mĂŁo na testa. Encontrou a quase esquecida
cicatriz, resultado de uma queda de bicicleta na ladeira. Desbravar as ruas do
bairro no presente de natal era o que mais desejava. Mas, havia uma garota na
calçada e ela tinha o sorriso mais bonito do mundo.
No princĂpio,
acariciava o corte como se fosse o rosto da musa. O lápis deslizava e os versos
nasciam no meio de jardins, mares e céus. Agora, é cacoete. Da poesia para o
jornalismo foi um pulo.
Um pulo!
Agarrado Ă
figura de Joana, um pé buscando apoio na parede, o outro desliza na soleira,
volta o rosto para a saĂda. No vazio, linhas formam pedras e um caminho
transparente se mostra. O vento abranda e a brisa alisa o rosto. As mĂŁos
aliviam. Os pés se juntam. O coração bate compassado. Um fio de sorriso.
Um passo.