- Chegamos.
A fumaça do café, cuscuz, charque assada se espalha na rua e movimenta a barraca de Matilde.
- Josué, tenho sede! Bate uma pata
dianteira nas pedras do calçamento.
- Calma, Beiçola.
Mete a cara no balde, bebe metade,
levanta a cabeça e joga água pelas ventas. Molha as costas de Maneco.
- Ei amigo! Passa a mão na crina.
A cozinheira aproxima um balaio
cheio de sabugo e palha de milho.
- Não esquece o Beiçola aqui, né?
- Você é dos meus.
As mangas e jacas, que enchiam os
caçuás, estão na barraca armada por Josué, ao lado das outras. Na rua, formam
duas carreiras de diferentes cores e cheiros. No centro um tapete de
paralelepípedos termina no muro do campo de futebol. No meio da manhã, os
balaios dançam na cabeça dos moleques, ladeados pelas senhoras
compradoras.
- Quanto é o quilo da macaxeira?
- É dois. Cozinha na água fria.
- Olha a laranja bahia madame!
Aparece Maneco. As frutas no pequeno cesto.
A procissão segue nos passos dos
carregadores, até uma lasca do sol se esconder no fim da rua. O chão de pedras
se mostra; as madeiras sujas das bancas ressurgem; as vozes se calam.
Beiçola abre os olhos, enxerga no
calçamento a sombra que aponta em sua direção.
- Como está a humanidade, professor
João?
- Não muda há séculos. Coloca os
pertences na banca, encosta no poste, retira o lenço encardido do bolso e
enxuga o rosto. Veja Maneco. Apurou algum dinheiro das laranjas que planta no
quintal da casa, onde mal cabe ele, a mulher e quatro filhos. Tudo nas terras
do patrão, que vai lá duas, três vezes por mês.
A
gritaria do bando que persegue uma cabra extraviada faz o professor saltar para frente. Passa
o lenço na testa, chega mais perto de Beiçola.
- Nada falta para os bichos ou lavoura
do doutor. O ganho é tão pouco que carece de completar aqui. Danado é que
levanta as mãos, diz que homem bom tá ali. Doutor Candeias nunca lhe faltou com
o salário.
Acompanha a voltam os meninos. Arrastam a cabra
quase enforcada.
- O dinheiro é meu porque eu
peguei!
- Mas eu botei a corda no pescoço!
Seguem na disputa e João no seu discurso.
- Tomar
a meiota de cachaça na barraca de Matilde com o pacaia pendurado nos beiços, é o prazer no fim da feira,
enquanto o homem bom saboreia o uísque escocês e balança o cohiba entre os
dedos, na beira da piscina. Suspira, junta os livros em baixo do braço.
- Até pra semana, Beiçola.
- Até sexta-feira, professor.
Coitado. Entende tudo, mas não
é feliz.
Eita, é agora. Solta um relincho que
vara a mancha vermelha por cima do muro.
Josué balança entre os caçuás. Sorri
com a dança insinuante das estrelas.
Os cascos batem na areia fofa.
- Voltamos.