domingo, 12 de fevereiro de 2017

Chuva


Chuva

AJFontes

 

Eita calor!

 

Chuva, chove logo.

Deixe de pantim e caia.

Não fique nessa leseira

Juntando essa água toda.

 

Demorou para subir.

Precisou de calor,

Caiu deitou e rolou.

Ajudou a planta a crescer

O bicho a viver

O homem a se manter.

 

Trabalhou um bocado

Bem que merece descanso.

Longe do barulho

Sem correria nos rios.

Sem o balanço no mar

Para lá e para cá.

Nos lagos se aquieta.

Carece de um cochilo

Ninguém é de ferro.

 

Descanso mesmo

Tem lá em cima.

No silêncio

Parada.

Desse jeito

Tinha mais que engordar.

Tanto que derrete.

 

Um pingo aqui outro ali

Bate no rosto.

Arrasta a poeira das folhas

Até aparecer o verde.

Limpa o chão

O cheiro de terra molhada aparece.

 

Eita chuvarada!

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

É sexta-feira






É sexta-feira


AJFontes


 

Os cascos soam diferente.
- Chegamos.
A fumaça do café, cuscuz, charque assada se espalha na rua e movimenta a barraca de Matilde.
- Josué, tenho sede! Bate uma pata dianteira nas pedras do calçamento.
- Calma, Beiçola.
Mete a cara no balde, bebe metade, levanta a cabeça e joga água pelas ventas. Molha as costas de Maneco.
- Ei amigo! Passa a mão na crina.
A cozinheira aproxima um balaio cheio de sabugo e palha de milho.
- Não esquece o Beiçola aqui, né?
- Você é dos meus.
As mangas e jacas, que enchiam os caçuás, estão na barraca armada por Josué, ao lado das outras. Na rua, formam duas carreiras de diferentes cores e cheiros. No centro um tapete de paralelepípedos termina no muro do campo de futebol. No meio da manhã, os balaios dançam na cabeça dos moleques, ladeados pelas senhoras compradoras.
- Quanto é o quilo da macaxeira?
- É dois. Cozinha na água fria.
- Olha a laranja bahia madame! Aparece Maneco. As frutas no pequeno cesto.
A procissão segue nos passos dos carregadores, até uma lasca do sol se esconder no fim da rua. O chão de pedras se mostra; as madeiras sujas das bancas ressurgem; as vozes se calam.
Beiçola abre os olhos, enxerga no calçamento a sombra que aponta em sua direção.
- Como está a humanidade, professor João?
- Não muda há séculos. Coloca os pertences na banca, encosta no poste, retira o lenço encardido do bolso e enxuga o rosto. Veja Maneco. Apurou algum dinheiro das laranjas que planta no quintal da casa, onde mal cabe ele, a mulher e quatro filhos. Tudo nas terras do patrão, que vai lá duas, três vezes por mês.
A gritaria do bando que persegue uma cabra extraviada faz o professor saltar para frente. Passa o lenço na testa, chega mais perto de Beiçola.

- Nada falta para os bichos ou lavoura do doutor. O ganho é tão pouco que carece de completar aqui. Danado é que levanta as mãos, diz que homem bom tá ali. Doutor Candeias nunca lhe faltou com o salário.
Acompanha a voltam os meninos. Arrastam a cabra quase enforcada.
- O dinheiro é meu porque eu peguei!
- Mas eu botei a corda no pescoço!
 
Seguem na disputa e João no seu discurso.
 
- Tomar a meiota de cachaça na barraca de Matilde com o pacaia pendurado nos beiços, é o prazer no fim da feira, enquanto o homem bom saboreia o uísque escocês e balança o cohiba entre os dedos, na beira da piscina. Suspira, junta os livros em baixo do braço.
 
- Até pra semana, Beiçola.
- Até sexta-feira, professor.
Coitado. Entende tudo, mas não é feliz.
Eita, é agora. Solta um relincho que vara a mancha vermelha por cima do muro.
Josué balança entre os caçuás. Sorri com a dança insinuante das estrelas.
Os cascos batem na areia fofa.
- Voltamos.