domingo, 29 de janeiro de 2017

Água fresca faz bem




Água fresca faz bem

AJFontes

 

Curvado, arrasta os chinelos. O direito, o esquerdo. A barba incomoda. Tanta coisa e a casa vazia. Faltou pouco para Belinha se arrebentar na cristaleira, quando aprendia a andar. Amália, com toda paciência, levantou a pequena, beijou a bochecha, até arrancar um sorriso de nossa princesa e voltou à poltrona, na sala de estar. Que falta sinto dessa mulher. Já mocinha, Isabel passava horas assistindo TV, sentada no sofá. Depois veio Robertinho. Netinho danado. Nunca gostou desse elefante de marfim sobre a mesa de centro. Agora, moram em Belo Horizonte.
O direito, o esquerdo. Preciso lavar o filtro. O ombro dói no movimento de levantar o copo de água. Não mereço essa merda de vida! Estou só, mas estou vivo. Direito esquerdo direito esquerdo. Chuveirada, cara lisa, roupa cheirosa. Sou outro homem!
Na calçada, espera o portão. Ele sempre bate. Enche cada canto do corpo com o ar fresco que recolhe da manhã. Manchas verdes clamam por sua aproximação. Direito, esquerdo, bengala; direito, esquerdo, bengala. Assiste, quieto, a dança das folhas no palco de fundo azul. Um risco nos lábios invade o dia. As brincadeiras dos meninos o fazem esquecer a dureza do banco.
- Seu Juvenal, quanto tempo.
- Dona Mereciana, resolvi sair um pouco. A senhora não apareceu mais.
O olhar passeia pela fartura de prazeres na mulher. Essas curvas. O cheiro dessa pele.
- Vamos tomar um copo d’água fresca lá em casa?
- Verdade. Esse calor dá uma sede danada, mas não quero dar trabalho ao senhor.
- Trabalho nenhum. Já estava voltando mesmo.
Direito esquerdo direito esquerdo direito esquerdo.
- Calma homem. Por que a pressa?
- Ah! É a vida palpitando minha filha. E eu mereço.