Água fresca faz bem
AJFontes
Curvado, arrasta os chinelos. O direito, o esquerdo. A barba
incomoda. Tanta coisa e a casa vazia. Faltou pouco para Belinha se arrebentar
na cristaleira, quando aprendia a andar. Amália, com toda paciência, levantou a
pequena, beijou a bochecha, até arrancar um sorriso de nossa princesa e voltou
à poltrona, na sala de estar. Que falta sinto dessa mulher. Já mocinha, Isabel
passava horas assistindo TV, sentada no sofá. Depois veio Robertinho. Netinho
danado. Nunca gostou desse elefante de marfim sobre a mesa de centro. Agora,
moram em Belo Horizonte.
O direito, o esquerdo. Preciso lavar o filtro. O ombro dói
no movimento de levantar o copo de água. Não mereço essa merda de vida! Estou
só, mas estou vivo. Direito esquerdo direito esquerdo. Chuveirada, cara lisa,
roupa cheirosa. Sou outro homem!
Na calçada, espera o portão. Ele sempre bate. Enche cada
canto do corpo com o ar fresco que recolhe da manhã. Manchas verdes clamam por
sua aproximação. Direito, esquerdo, bengala; direito, esquerdo, bengala.
Assiste, quieto, a dança das folhas no palco de fundo azul. Um risco nos lábios
invade o dia. As brincadeiras dos meninos o fazem esquecer a dureza do banco.
- Seu Juvenal, quanto tempo.
- Dona Mereciana, resolvi sair um pouco. A senhora não
apareceu mais.
O olhar passeia pela fartura de prazeres na mulher. Essas
curvas. O cheiro dessa pele.
- Vamos tomar um copo d’água fresca lá em casa?
- Verdade. Esse calor dá uma sede danada, mas não quero dar
trabalho ao senhor.
- Trabalho nenhum. Já estava voltando mesmo.
Direito esquerdo direito esquerdo direito esquerdo.
- Calma homem. Por que a pressa?
- Ah! É a vida palpitando minha filha. E eu mereço.