Pronto, tô abençoado
(versão 2 de As peripécias de Pedro)
Dia claro ainda as sombras se espalham sobre as casas.
Nas calçadas, como de hábito, acomodadas em cadeiras, tamboretes e até
espreguiçadeiras, avós, mães, tias e primas; têm a conversa interrompida por
gritos, choros e risos da meninada que brinca na rua.
Anita pulou no céu riscado no chão. Viu longe a figura
esguia, de andar tranquilo, paletó branco marcado pelos movimentos do dia,
vindo ao seu encontro. Pedro!
Os olhares se voltaram para a entrada da rua.
- Bala, bala, bala, queremos bala! Cadê as balas tio
Pedro?
- Calma, calma, tem pra todo mundo. Retirou dos bolsos
as mãos cheias de bolinhas enroladas em papel colorido e as jogou paro o alto.
Aos gritos, os meninos cataram os confeitos pelo chão, uns empurrando os outro,
até que não sobrou um. E voltaram aos seus cavalinhos e bonecas.
Boa tarde senhoras, senhoritas. Benção minha mãe? Deus
te abençoe, respondeu dona Isaura. Ele entrou com gingado de dançarino e
trejeitos de cantor. Gosto que me enrosco só de ouvir dizer, que a parte mais
fraca é a mulher, mas o homem com toda fortaleza, desce da nobreza e faz o que
ela quer. Música famosa nos fins dos anos 20.
Cada dia mais bonito esse menino. Pois é dona Amélia,
até um dia desses era um magricela, amarelo, buchudo. Agora não, tomou corpo,
barba aparada, bigode, cabelo penteado. Nem parece. As mocinhas tentaram
esconder os suspiros. Dona Isaura, com um sorriso de satisfação, varreu com o
olhar a criançada até Sofia e Anita, a caçulinha.
Bem na hora! Ao perceber a aproximação de uma figura
magra e alta com um balaio na cabeça. Como sempre, o homem parou junto a um
grupo, desceu o balaio, ofereceu seu produto, e seguiu com seu pregão:
- Olha a bolinha de cambará, um pacote é um tostão.
- Larga essa vida vai trabalhar, deixa de ser um homem
ladrão. Completou Pedro, da janela.
-Meu filho não diga isso. O homem está trabalhando.
Deu meia volta e atravessou a sala com uma gargalhada.
O homem sorriu e continuou.
As sombras se foram com o sol. O frio da noite chegou.
Está na hora, vamos Carlinhos, Ana Clara, Teotônio, Antônio, Clarisse. Cada mãe
recitou os nomes de sua prole. Espere aí minha mãe, já vou. Vamos logo ou não
deixo vocês brincarem amanhã! Com as caras amarradas entraram sem argumento.
Seguiam o boa noite, o bater das portas, janelas e ferrolhos. O silêncio da
noite tinha seu tempo.
A sinfonia de cães, gatos, grilos e sapos servia de
música de fundo para a passagem cambaleante de seu Moreira, morador solitário
lá do fim da rua. Vive assim desde que a mulher deixou ele coitado. Diziam nas
conversas. De dentro das casas vinham o tinido dos talheres; vozes, risos,
choros; cheiro de café e pão assado.
As meninas acompanhavam dona Isaura: Santo anjo do
senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou...Deitado, Pedro gritava: Sua
benção minha mãe...sua benção minha mãe!
Deus me abençoe e me dê juízo. Pronto, tô abençoado.
O farfalhar das vassouras nas calçadas encontrou o
friozinho matinal.
Acorda Maneco. Você vai perder a escola menino. Muito
bem dona Marieta, esses meninos só entendem no grito mesmo. Aqui Aninha já tá
pronta e tomando café.
Bom dia dona Isaura. Daqui a pouco, vou eu ao mercado.
Nem reparei a senhora na janela dona Bentinha. Bom dia. Pois vá logo porque tem
muita gente, pode não sobrar coisa boa. Como passou a noite? Ah! Dormi pouco.
Clarinha teve uma diarreia danada. A senhora sabe o que Pedro deu pras crianças
ontem? Balas de açúcar! Adiante a mesma pergunta por outra vizinha; mais outra.
E outra mais.
Chegou em casa apavorada. Pedro não deu confeito para
as irmãs. Chamou o rapaz e perguntou. E como estavam as caras delas? No meio de
uma gargalhada, quase engasgado por um naco de pão. Não ria meu filho. Como
pôde fazer isso? Elas estão doentes. Nada não minha mãe. É só laxante. Vai
fazer até bem. Arrumou a gravata e saiu. Deus, dá-me paciência. Ele nunca pensa
nas consequências. Assim levou a vida, até o dia que resolveu viajar pra
conhecer o mundo.
Mala pronta na porta, abraçado à mãe pediu sua benção.
Sem você aqui essa casa vai ficar tão vazia. Deus te guie meu filho. Sofia
agarrada em sua perna tentou impedir. Ele a segurou em seus braços. Vai não.
Entendia a separação de alguém querido desde a morte do pai. Com um joelho no
chão abraçou e beijou o rosto tristonho de Anita.
Correram para a janela. Sobre os banquinhos,
acompanharam o irmão sumir na entrada da rua.
AJFontes